A ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA E OS PROCEDIMENTOS NO REGISTRO DE IMÓVEIS (LEI Nº 9.514/97)
Valestan Milhomem da Costa Oficial Substituto do Cartório do 1º Serviço Notarial e Registral de Cabo Frio – RJ O instituto da alienação fiduciária de coisa imóvel, objeto da Lei nº 9.514/97, é marcante na seara registral imobiliária, desde a sua constituição, transferência e cessão dos direitos do fiduciante e do fiduciário, purgação da mora, consolidação da propriedade, execução extrajudicial do débito até o cancelamento ou extinção do negócio fiduciário, incluídas as mutações no direito sucessório das partes contratantes. Porém, como nem todos os atos a serem praticados pelo registrador estão mencionados expressamente na Lei 9.514/97 ou na Lei 6.015/73, dúvidas poderão surgir quanto ao ato a ser praticado em determinados casos. Por exemplo: a transferência dos direitos do fiduciante é ato de registro ou de averbação? A cessão dos direitos do fiduciário é ato de registro ou de averbação? A purgação - ou não - da mora do fiduciante deve ser averbada na matrícula do imóvel? Se o fiduciante purgar a mora na fase da execução, qual o ato a ser praticado? A dúvida pode também levar o registrador à prática de um ato inadequado, com inevitáveis prejuízos para o interesse das partes envolvidas, tendo em vista a relevância dos atos registrais na constituição e transferência, sobretudo, dos direitos reais. Da classificação dos atos registrais da alienação fiduciária de bem imóvel em garantia Para compreender os atos a serem praticados no registro de imóveis, é mister uma visão panorâmica do negócio fiduciário de que trata a Lei 9.514, o qual, conforme o rumo que tomar, exigirá um especial atuar do registrador, prenotando, registrando, averbando. Os atos registrais da alienação fiduciária de bem imóvel em garantia divide-se em dois grupos: atos diretos – aqueles que necessariamente ocorrerão sempre que for contratada a alienação fiduciária - e atos indiretos – aqueles possíveis de ocorrência, se houver nova manifestação de vontade dos contratantes ou de circunstâncias alheias à sua vontade. Os atos diretos podem ser divididos em principais e acessórios. Principais são os de constituição e cancelamento regular do contrato de alienação fiduciária, ou seja: não exige a mora ou o inadimplemento do devedor. Acessórios são os resultantes do cumprimento irregular do contrato, ou seja: se ocorrer a mora, a purgação ou não purgação da mora, a consolidação da propriedade (resolúvel) em nome do fiduciário, a arrematação do imóvel em público leilão, a resolução da propriedade do fiduciário, e, nessa fase, o cancelamento ou extinção da dívida. Os atos indiretos não dizem respeito ao cumprimento regular ou irregular do contrato de alienação fiduciária, mas à transmissão dos direitos decorrentes do aludido contrato, por ato inter vivos ou mortis causa, como a transmissão dos direitos do fiduciante e do crédito do fiduciário. Dos atos a serem praticados no Registro de Imóveis Os atos classificados como diretos principais são: (1) registro da constituição da propriedade fiduciária (art. 23) e, (2) averbação do cancelamento da propriedade fiduciária (art. 25, §§ 1º e 2º). Considerando-se a hipótese de cumprimento irregular do contrato, pode-se identificar os seguintes atos diretos acessórios: (1) averbação do requerimento de intimação do fiduciante pelo fiduciário para purgar a mora (§ 1º, art. 26); (2) averbação de purgação da mora ou da não purgação da mora (§ 5º e § 7º, primeira parte, art. 26); (3) registro da consolidação da propriedade (que é resolúvel) em nome do fiduciário, não havendo a purgação da mora (§ 7º, in fine, art. 26); (4) registro da resolução da propriedade do fiduciário em favor do fiduciante, se ocorrer a purgação do débito na fase do leilão, mas antes da assinatura do auto de arrematação (39, caput e inciso II c/c art. 34 do Decreto-Lei nº 70, de 21/11/1966); (5) registro da carta de arrematação extraída do primeiro ou do segundo leilão (art. 167, I, 26, Lei 9.015/73); (6) averbação do cancelamento da alienação fiduciária na hipótese de arrematação em público leilão (§ 4º, art. 27); (7) averbação da extinção da dívida (§§ 5º e 6º, art. 27). As averbações do requerimento do fiduciário para intimar o fiduciante e da purgação ou não purgação da mora por este se demonstram revelantes em vista do disposto no § 7º do art. 26, o qual estabelece que se o fiduciante não comparecer no Registro de Imóveis para purgar a mora nos 15 (quinze) dias subseqüentes à intimação, o oficial do Registro de Imóveis certificará esse fato, e, mediante a apresentação do imposto de transmissão inter vivos em nome do fiduciário, promoverá o registro da consolidação da propriedade em nome deste. Têm-se aqui duas situações distintas: 1) a certificação do não comparecimento do fiduciante para purgar a mora no prazo legal, sendo essa certificação condição essencial para que o fiduciário promova o recolhimento do imposto de transmissão inter vivos e o registro da consolidação da propriedade (repita-se: resolúvel) em seu nome; e 2) o registro da consolidação da propriedade. A questão é: como o oficial do Registro de Imóveis certificará o comparecimento, ou não, do fiduciante para purgar a mora? Em vista dos relevantes desdobramentos desse procedimento, pois dele resultará a consolidação da propriedade em nome do fiduciário, é importante que o oficial imobiliário lance, no livro protocolo, na prenotação que desencadeou a intimação, o comparecimento – ou não – do fiduciante para purgar a mora e, a seguir, certifique o fato na matrícula, por meio de averbação. Ora, se haverá uma averbação do não comparecimento do fiduciante para purgar a mora, é evidente a necessidade da averbação também da sua intimação pelo fiduciário para purgar a mora, em virtude do princípio da continuidade dos atos registrais. A relevância desses atos acentua-se em vista do que dispõe a parte final do art. 30 da Lei 9.514/97, verbis: É assegurado ao fiduciário, seu cessionário ou sucessores, inclusive o adquirente do imóvel por força do público leilão de que tratam os §§ 1º e 2º do art. 27, a reintegração na posse do imóvel, que será concedida liminarmente, para desocupação em 60 (sessenta) dias, desde que comprovada, na forma do disposto no art. 26, a consolidação da propriedade em seu nome. (Grifamos) Ao dispor que após a finalização do processo de execução da dívida, o fiduciário ou seu sucessor tem direito a ser reintegrado (melhor seria dizer: imitido) na posse do imóvel em 60 (sessenta) dias da decisão liminar, o dispositivo em comento, parte final, condiciona esse direito à comprovação da consolidação da propriedade em nome do fiduciário, “na forma do disposto no art. 26”. Não parece razoável concluir que o legislador esteja referindo-se à consolidação da propriedade em si, pois seria absurdo imaginar que fosse possível a realização do leilão, a venda •••
Valestan Milhomem da Costa