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BDI Nº.32 / 2003 - Assuntos Cartorários Voltar

A UNIÃO ESTÁVEL E SEUS REFLEXOS NOTARIAIS E REGISTRAIS

Valestan Milhomen da Costa - 1º Ofício de Cabo Frio, RJ A Lei 9.278, de 10 de maio de 1996, que regulou o § 3º do art. 226 da Constituição Federal, no que concerne à conversão da união estável em casamento, estabelece em seu art. 5º que “os bens móveis e imóveis adquiridos por um ou por ambos os conviventes, na constância da união estável e a título oneroso, são considerados fruto do trabalho e da colaboração comum, passando a pertencer a ambos, em condomínio e em partes iguais, salvo estipulação contrária em contrato escrito.” O parágrafo primeiro esclarece, porém, que a presunção do caput não se aplica àqueles bens adquiridos com produtos de bens havidos anteriormente ao início da união. Trata-se de louvável inovação jurídica, visto que visa a corrigir os abusos e as incertezas envolvendo o patrimônio das pessoas que, embora vivendo como entidade familiar, não estão protegidas pelo casamento e a resultante segurança patrimonial que este normalmente encampa. Não obstante a nobreza do instituto, o legislador não disciplinou o modo pelo qual seria dada publicidade, através do fólio imobiliário, da aquisição desse direito condominial de propriedade dos conviventes, dificultando a identificação dos verdadeiros proprietários dos imóveis, principalmente nos casos em que apenas um dos conviventes figurar como proprietário no registro de imóveis, pois nenhuma previsão expressa foi feita quanto à possibilidade do registro do contrato de constituição de sociedade conjugal (Livro 3 - Registro Auxiliar, com base no art. 177 c/c 178, VII da Lei 6.015/73) e/ou averbação da existência da união estável na matrícula (Livro 2 - art. 167, II, item 5) do imóvel respectivo, com o fito de prevenir os direitos de propriedade daquele convivente que não figurar no título aquisitivo levado a registro. Essa lacuna se torna relevante, na medida em que, no direito pátrio, a aquisição da propriedade só ocorre com o registro do título constitutivo ou transmissivo da propriedade no ofício imobiliário. Essa já era a regra ao tempo da edição daquela lei (art. 530 do Código Civil de 1916) e ainda é a regra traçada no art. 1.227 do novo Código Civil, onde lemos que “os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com o registro no Cartório de Registro de Imóveis dos referidos títulos (arts. 1.245 a 1.247), salvo os casos expressos neste Código.” Ou seja: só é dono aquele que figurar como tal no Cartório de Registro de Imóveis. Apesar de o Código Civil vigente ter atribuído à união estável, na questão patrimonial, o mesmo tratamento dado aos casados sob o regime da comunhão parcial de bens, se não houver contrato dispondo em sentido diverso (art. 1.725), a realidade dos casados e dos conviventes não é a mesma, pelos seguintes motivos: 1) sendo o adquirente casado, obrigatoriamente far-se-á menção na escritura ao nome do cônjuge, ao regime de bens adotado e demais formalidades de praxe, e quando a escritura tiver ingresso no fólio imobiliário essas informações concernentes ao nome e qualificação dos cônjuges, regime de bens, etc., constarão do registro na matrícula do imóvel. 2) de outro lado, se o adquirente vive em união estável mas declara ser solteiro, desquitado, separado, divorciado ou viúvo, nenhuma menção se faz na escritura ao nome do companheiro, e, quando a escritura adentrar no ofício imobiliário, o registro da propriedade será feito apenas em nome de um dos conviventes, sem nenhuma menção ao nome do outro ou à existência da união estável. Qual a conseqüência lógica? Quando solicitada uma certidão da matrícula daqueles imóveis, todos saberão que, no primeiro caso, o imóvel pertence a um casal, não obstante ter comparecido na escritura apenas um deles, uma vez que o nome do outro consta no fólio registral, mas, no segundo caso, entenderão que pertence a uma única pessoa, já que não consta o nome de outra. Ou seja: perante terceiros, o proprietário é sempre aquele que consta na matrícula como tal. Isso ocorre em razão dos princípios emanantes aos Registros Públicos, mormente ao registro imobiliário, dentre eles o da CONTINUIDADE e o da PUBLICIDADE, sob pena de, se desconsiderados, tornar temerárias as relações contratuais. Pelo princípio da CONTINUIDADE temos que somente será viável o registro de título contendo informações perfeitamente coincidentes com aquelas constantes da respectiva matrícula sobre as pessoas e bem nela mencionados. O princípio da PUBLICIDADE, a seu turno, visa a proteção dos interesses de terceiros, dando a estes a segurança de que as informações constantes dos registros públicos correspondem à realidade presente quanto às pessoas interessadas e ao bem a que se refere, sendo, portanto, no dizer de Nicolau Balbino Filho, “a alma dos registros públicos. É a oportunidade que o legislador quer dar ao povo de conhecer tudo o que lhe interessa a respeito de determinados atos. Deixa-o a par de todo o movimento de pessoas e bens.” (Registro de Imóveis, 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999). Sendo assim, como conciliar esses princípios com o direito presumido de propriedade dos conviventes sobre bens imóveis, a que se refere o art. 5º da Lei 9.278/96, nos casos em que estes forem adquiridos por apenas um deles, após o início da •••

Valestan Milhomen da Costa - 1º Ofício de Cabo Frio, RJ