Ata notarial e Atos Retificatórios - Uma reflexão necessária
Decisão da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo (Processo CG n° 2008/45352 - 59/2009-E – publicado no Diário da Justiça Eletrônico de 20.03.2009) afirma que a Ata Notarial não é o instrumento adequado para promover correção de escritura pública. Eis a ementa: REGISTRO DE IMÓVEIS – Escritura pública de divisão amigável – Erro na descrição dos lotes – Retificação por Ata Notarial – Inviabilidade – Necessária nova manifestação de vontade das partes, por meio de escritura de rerratificação – Recurso não provido. De fato, certamente, é verdadeira a afirmação de que Ata Notarial, a rigor, não é o instrumento adequado para a retificação de escritura pública, mas, por outro lado, como em toda afirmação categórica, necessário será aplicar um tempero de interpretação para evitar erros que resultam de afirmações absolutas. Assim considerado é preciso convir que, apesar do afirmado, uma escritura publica denominada (impropriamente) de Ata Notarial pode vir a ser considerada meio eficaz para corrigir falha de escritura pública. Leonardo Brandeli, grande doutrinador das notas e inques-tionável autoridade sobre Atas Notariais e Direito Notarial, ensina: “O ato notarial apto a retificar erro material cometido em escrituras é ato retificatório cuja designação cabe ao notário estabelecer. Não é o nome que estabelece o ato jurídico, mas, sim, o seu conteúdo. Por isso, ainda que se designe tal ato de ata notarial, ata não será, mas sim ato retificatório” (Leonardo Bradelli, Teoria Geral do Direito Notarial, 3ª Ed. Saraiva, 2009, p. 344). Inquestionável que a eficácia e valor de um instrumento, como ensinado por Brandelli, não depende do nome que a ele foi atribuído. Ainda que o documento tenha recebido denominação inadequada, contraditória, ou absurda, se sua forma, teor e conteúdo demonstrarem aptidão a produzir efeitos, tal instrumento haverá de ser considerado apto para os fins a que se destina apesar de sua nomeação equivocada. A lição de Brandelli é clara e não há dúvida que de esta é a inteligência da Lei. Confira-se o artigo 112 do Código Civil que determina como regra geral a prevalência da intenção das partes (em outras palavras, a prevalência da essência da vontade) sobre o sentido literal da linguagem utilizada. Sendo repetitivo: Ata Notarial não é o instrumento adequado para retificar escritura pública; mas um instrumento público que se denomine “Ata Notarial” e que em seu conteúdo e teor faça prova de erro (omissão ou imperfeição) de uma escritura pública e que forneça, de forma eficaz, a solução daquela falha ou engano, certamente deverá ser considerado como instrumento apto para a correção necessária do ato notarial imperfeito. O decidido no Processo CG n° 2008/45352 - CGJ-SP e enunciado na ementa inicialmente transcrita, como se percebe, não pode ser considerado absolutamente como uma regra a ser seguida pelo registrador imobiliário para a qualificação de títulos a ele apresentados. É imperioso, é absolutamente necessário, que todos os oficiais de registro de imóveis do País percebam isso e que evitem a todo custo, com base em uma interpretação apressada e equivocada daquela Decisão Administrativa do Excelentíssimo Corregedor Geral da Justiça do Estado de São Paulo, sumariamente recusar o ingresso no Registro Imobiliário de atos públicos retificatórios que tenham sido denominados (erroneamente, diga-se) de Ata Notarial. Repetir e ressalvar o mesmo fato novamente pode parecer enfadonho e cansativo, mas a prática mostra ser necessário fazê-lo à exaustão e pode se mostrar útil nova repetição daquela lição de Brandelli: Não é o nome que estabelece o ato jurídico, mas, sim, o seu conteúdo. No parecer do MM Juiz Auxiliar da Corregedoria que foi aprovado pelo Corregedor Geral da Justiça, naquele processo de dúvida registrária já referido, curiosamente, o mesmo autor e obra são citados nos seguintes termos: “Por fim, tampouco há que se falar na pretendida retificação da escritura através de ata notarial, visto que, nos dizeres de Leonardo Brandelli, in Teoria Geral do Direito Notarial, 2ª ed., Saraiva, 2007, p. 249, ‘A ata notarial é, enfim, o instrumento público mediante o qual o notário capta, por seus sentidos, uma determinada situação, um determinado fato, e o translada para seus livros de notas ou para outro documento. É a apreensão de um ato ou fato, pelo notário, e a transcrição dessa percepção em documento próprio’. E ao tratar do objeto da ata notarial, Brandelli lança uma pá de cal na controvérsia suscitada pelos ora recorrentes ao esclarecer que ‘o objeto da ata notarial é obtido por exclusão, isto é, para ser objeto de ata notarial não pode ser objeto de escritura pública, (...)” Facilmente percebe-se no texto reproduzido a didática de tal ensinamento sobre Ata Notarial. Entretanto, por evidente, neste trecho em particular da obra Teoria Geral do Direito Notarial, o estudioso doutrinador ocupou-se tão somente de uma questão prática sobre a melhor técnica notarial, deixando para outro momento a análise de fundo e o enfrentamento da questão do conteúdo desta espécie de ato notarial. Sintética e precisamente ali foi apontada a distinção básica entre escrituras públicas e atas notariais. Distinção esta que conduziu o autor, com tranquilidade, à afirmação categórica acima citada, feita mais adiante na mesma obra (em capítulo dedicado às Atas de subsanação), de que ato notarial retificatório não pode se confundir com ata notarial e que é um erro denominar escritura de retificação como se ata notarial fosse. O citado processo de dúvida registrária que resultou na procedência do óbice levado pelo Oficial Registrador, refere-se a um caso particular e efetivamente muito complexo. Que fique claro não ser pretensão deste autor fazer qualquer espécie de comentário sobre o decidido em si. O que ora se busca é tão somente, chamar a atenção sobre as particularidades das Atas Notariais e dos Atos retificatórios e evitar transtornos, prejuízos e desgaste desnecessário para os usuários do serviço notarial e registral paulista e brasileiro, com qualificações negativas de atos que inegavelmente tem valor e aptidão para produzir efeitos no registro imobiliário e que, por simples erro de denominação, poderiam vir a ser •••
Marco Antonio de Oliveira Camargo*