AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE ESCRITURA PÚBLICA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL – NEGÓCIO JURÍDICO SIMULADO – EMPRÉSTIMO DE DINHEIRO A JUROS ONZENÁRIOS, COM GARANTIA REAL – USURA – DANOS MORAIS – CONFI
Número do Processo: 1.0105.07.228033-9/001(1) Numeração Única: 2280339-23.2007.8.13.0105 - Comarca de Governador Valadares - 1º Apelante(s): Edelzuita Célia Calhau - 2º Apelante(s): Alessandra Gomes Ferreira - Apelado(a)(s): Edelzuita Célia Calhau, Alessandra Gomes Gerreira - Relator: Exmo. Sr. Des. Eduardo Mariné da Cunha - Data do Julgamento: 24/06/2010 - Data da Publicação: 03/08/2010 EMENTA Ação Declaratória de nulidade de escritura pública de compra e venda de imóvel - Negócio jurídico simulado - Empréstimo de dinheiro a juros onzenários, com garantia real - Usura - Danos morais - Configuração. Em regra, a demonstração da ocorrência de simulação constitui fato de difícil comprovação, eis que, na maioria das vezes, o ardil, característica central do negócio simulado, está presente apenas na vontade das partes, não sendo possível visualizá-lo nos contratos e nos atos que lhe deram origem. No caso sub examen, contudo, entendo que os elementos de prova constantes dos autos são aptos a demonstrar a nulidade do negócio jurídico simulado. Isso porque, a nosso aviso, ficou claro que a autora foi vítima de fraude perpetrada por seu sobrinho, pela ré e seu genitor, de forma que ela, acreditando que se tratava de simples declaração, com o intuito de viabilizar um empréstimo de R$60.000,00, realizado pelo terceiro em favor do primeiro, transferiu seu imóvel à segunda, em garantia do aludido mútuo. A compra e venda do imóvel descrito na peça de ingresso mascara a realização de negócio jurídico contrário à lei, consistente no empréstimo de dinheiro a juros onzenários.Nos termos do art. 167, do CCB/2002, a simulação representa causa de nulidade do ato jurídico que, embora possua aparência normal, visa a objetivos escusos, estranhos ao ato praticado.Para a caracterização do dano moral é indispensável a ocorrência de ofensa a algum dos direitos da personalidade do indivíduo. Esses direitos são aqueles inerentes à pessoa humana e caracterizam-se por serem intransmissíveis, irrenunciáveis e não sofrerem limitação voluntária, salvo restritas exceções legais (art. 11, CC/2002). A título de exemplificação, são direitos da personalidade aqueles referentes à imagem, ao nome, à honra subjetiva e objetiva, à integridade física e psicológica. No caso em tela, considerando-se a gravidade da situação a que se sujeitou a requerente, tenho que se mostra presente a violação de direitos de sua personalidade, a ponto de lhe causar abalo psicológico, intranquilidade de espírito e, via de consequência, o dano moral alegado na inicial. Com o acolhimento da pretensão indenizatória, não há dúvida de que a presente decisão passou a ter natureza condenatória, demandando, assim, a fixação da verba honorária sucumbencial com fundamento no § 3º, do art. 20, do CPC. In casu, levando em consideração o zelo e a diligência adotados pelos patronos da requerente, a complexidade da causa e a necessidade de produção de provas, tenho que os honorários advocatícios devem ser fixados no patamar máximo (20%), previsto no §3º, do artigo 20, do CPC. ACÓRDÃO Vistos etc., acorda, em Turma, a 17ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, sob a Presidência do Desembargador Eduardo Mariné da Cunha, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, em rejeitar preliminar de intempestividade do primeiro recurso; no mérito, dar parcial provimento ao primeiro recurso e negar provimento ao segundo. Belo Horizonte, 24 de junho de 2010. Des. Eduardo Mariné da Cunha, Relator VOTO Trata-se de ação anulatória de ato jurídico c/c indenização por danos morais e materiais, ajuizada por Edelzuita Célia Calhau em face de Alessandra Gomes Ferreira. Relatou a autora ter sido procurada por seu sobrinho, Paulo Sérgio Calhau Pereira, solicitando que o avalizasse em um empréstimo a ser contraído junto ao Sr. Nelson Luiz Ferreira, genitor da requerida. Informou ter se recusado a prestar o aval, tendo, posteriormente, depois de muita insistência do sobrinho, comparecido ao estabelecimento do Sr. Nelson Luiz Ferreira, o qual lhe garantiu que não se tratava de aval, bastando que ela assinasse um documento no Cartório em frente. Disse que, atendendo aos pedidos do sobrinho e do Sr. Nelson Luiz Ferreira, atravessou a rua e, sem ler, assinou um documento no cartório, certa de que não estava avalizando ou assumindo qualquer responsabilidade quanto ao empréstimo contraído pelo primeiro junto ao segundo. Asseverou que, passados aproximadamente 40 dias, recebeu um telefonema da imobiliária que administrava o apartamento n. 202, do Residencial Ermelinda Rossi, situado na Rua Barcelona, n. 105, Bairro Grã Duquesa, Governador Valadares/MG - imóvel de sua propriedade, cujos alugueres se prestavam a complementar seus rendimentos mensais - informando ter sido procurada pelo genitor da ré, que alegou ter adquirido o imóvel, razão pela qual os aluguéis pertenceriam a ele. Desesperada, compareceu ao Cartório do 2º Tabelionato de Notas de Governador Valadares, juntamente com sua filha, ocasião em que tomaram conhecimento de que o aludido imóvel havia sido objeto de escritura pública de compra e venda lavrada em favor da requerida, na ocasião, representada por seu genitor e mandatário, Nelson Luiz Ferreira. Disse ter procurado o Sr. Nelson Luiz Ferreira, o qual lhe informou que havia emprestado a quantia de R$62.000,00, a juros de 3% ao mês, sendo que, em virtude da inadimplência do seu sobrinho, iria vender o imóvel, para receber seu crédito. Acrescentou lhe ter sido apresentado, na ocasião, um contrato de locação, no valor de R$500,00 por mês, no qual ela figurava como locatária, sendo locadora a requerida. Sustentou que, em momento algum, vendeu o imóvel à requerida, tratando-se de negócio jurídico simulado. Disse que jamais recebeu a quantia de R$52.063,13, descrita na malsinada escritura pública de compra e venda, acrescentando que o imóvel possui valor de mercado bastante superior, em torno de R$110.000,00, estando configurado, também, o instituto da lesão. Verberou que a requerida e seu pai agiram em conluio, utilizando-se de dolo, malícia e ardil para adquirir, por vias transversas, o imóvel de sua propriedade, viciando sua vontade, o que torna nulo o negócio jurídico. Asseverou que a atitude da ré lhe causou profunda dor e sofrimento, fazendo jus a indenização por danos morais. Aduziu lhe ser devida, ainda, indenização por danos materiais, em virtude de ter suportado despesas superiores a R$2.000,00, com a obtenção de documentos e a confecção de laudo de avaliação do imóvel. Formulou pedido de antecipação de tutela, a fim de que fosse procedida, em caráter liminar, a averbação da presente ação junto à matrícula nº 27324, do Cartório do 2º Ofício de Registro de Imóveis de Governador Valadares. Ao final, pediu a procedência da ação, decretando-se a nulidade da escritura pública de compra e venda lavrada em 04.05.2007 e do correspondente registro imobiliário. Postulou, ainda, a condenação da ré ao pagamento de indenizações por danos morais, em valor não inferior a 200 salários mínimos, e materiais, no importe de R$2.000,00. Requereu os benefícios da justiça gratuita. Juntou os documentos de f. 07-27. À f. 28, o MM. juiz singular deferiu a gratuidade judiciária, assim como o pleito liminar. Determinou, ainda, que a autora emendasse a petição inicial, instruindo-a com a procuração outorgada pela ré a seu genitor. A autora se manifestou, juntando o documento de f. 31. Regularmente citada, a requerida apresentou contestação (f. 41-51), requerendo, preliminarmente, a denunciação à lide de Paulo Sérgio Calhau Ferreira, sobrinho da requerente, responsável pela aproximação das partes envolvidas no negócio. No mérito, afirmou que seu genitor foi procurado por Paulo Sérgio Calhau Ferreira, solicitando um empréstimo de R$60.000,00, tendo-lhe informado que não emprestava dinheiro, mas que sua filha tinha a intenção de adquirir um imóvel daquele valor. Aduziu que, posteriormente, o sobrinho da autora voltou ao escritório de seu genitor, apresentando a documentação do imóvel e dizendo que ela estaria interessada em vendê-lo, para, em seguida, emprestar-lhe o produto da venda, desde que, no prazo de um ano, o valor do preço lhe fosse devolvido. Disse que as partes ficaram acertadas, comprometendo-se o Sr. Paulo Sérgio Calhau Ferreira a lavrar a competente escritura pública de compra e venda, sendo que, após a assinatura, o valor do preço seria entregue à vendedora (autora), que lhe daria o destino que lhe aprouvesse. Aduziu que, no dia 04.05.2007, a autora e seu sobrinho compareceram novamente ao escritório de seu pai, confirmando os termos da negociação e firmando um contrato de locação, com prazo de um ano, no qual, para a garantia da retrovenda, foi concedida à autora-locatária a preferência na aquisição do imóvel, pelo preço de R$ 81.600,00. Verberou terem as partes comparecido ao 2º Tabelionato de Notas local, onde firmaram a escritura pública de compra e venda, ocasião em que a autora autorizou a entrega da integralidade do preço avençado a seu sobrinho, o que foi feito prontamente. Acrescentou que, no dia 12.06.2007, o sobrinho da autora efetuou o pagamento do aluguel vencido no dia 04 daquele mês, conforme recibo juntado aos autos pela própria requerente. Defendeu a regularidade do negócio jurídico de compra e venda, o qual era de pleno conhecimento da requerente, até porque os termos da escritura pública lhe foram lidos, conforme asseverado em sua parte final. Asseverou que o negócio foi realizado pelo preço de R$60.000,00, que foi entregue ao sobrinho da requerente, tendo constado da escritura pública de compra e venda o valor de R$52.063,13, apenas para efeitos de recolhimento de ITBI e custas cartorárias. Disse não terem sido comprovadas as alegadas despesas, da ordem de R$2.000,00. Argumentou não estarem presentes os pressupostos necessários à configuração do dever de indenizar moralmente a autora. Pediu a improcedência da ação. Juntou os documentos de f. 52-60. A autora ofereceu impugnação à contestação (f. 67-68). À f. 70, foi indeferido o pedido de denunciação à lide. Prova oral às f. 233-240 e 252. Foram apresentadas razões finais pela autora, às f. 269-275, e pela ré, às f. 277-282. Em sentença proferida às f. 285-291, o ilustre magistrado primevo julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais, declarando nulos de pleno direito a escritura pública de compra e venda mencionada na inicial e seu respectivo registro. Tendo em vista a ocorrência de sucumbência recíproca, condenou ambas as partes ao pagamento de metade das custas processuais, além de honorários advocatícios, fixados em R$1.000,00. Suspendeu a exigibilidade de tais verbas, em relação à autora, nos termos do art. 12, da Lei n. 1.060/50. Aviados embargos de declaração, pela requerida (f. 292-296), foram eles rejeitados, nos termos da decisão de f. 305. Às f. 297-303, a autora interpôs apelação, insurgindo-se contra a improcedência do pedido de indenização por danos morais. Disse ter ficado desesperada com o golpe praticado pela ré, vez que aufere rendimento mensal equivalente a, apenas, um salário mínimo, dependendo do valor dos aluguéis do imóvel objeto do negócio jurídico simulado para complementar sua renda e, assim, garantir o sustento próprio e de sua filha interditada. Insurgiu-se, ainda, contra o montante fixados a título de honorários advocatícios, postulando sua majoração para montante equivalente a 10% ou 20% do valor da causa. A ré ofereceu contrarrazões, às f. 306-311. Às f. 312-320, a requerida interpôs apelação, aduzindo não ter a autora se desincumbido do ônus da comprovar a alegada nulidade do negócio jurídico de compra e venda firmado entre as partes. Ressaltou que a escritura pública é dotada de fé-pública, conforme dispõe o art. 215, do Código Civil. Argumentou que, reconhecida a nulidade do negócio, deveria o magistrado ter assegurado o retorno das partes ao statu quo ante, na forma do art. 182, do CCB, imputando-se à autora a obrigação de ressarcir a quantia que foi entregue a seu sobrinho, assim como as despesas cartorárias e de registro. A autora apresentou contrarrazões, às f. 328-330. Conheço de ambos os recursos, vez que próprios, tempestivos e regularmente processados, estando o segundo devidamente preparado e o primeiro isento de preparo, por litigar a autora sob o pálio da justiça gratuita. I - DA PRELIMINAR DE INTEMPESTIVIDADE DO PRIMEIRO RECURSO: Aduziu a requerida ser extemporâneo o primeiro apelo, em virtude de ter sido interposto antes da publicação da decisão que julgou os embargos de declaração por ela aviados. Com a devida vênia, entendo não assistir-lhe razão. É sabido que a tempestividade constituiu um dos requisitos objetivos de admissibilidade dos recursos. Segundo dispõe o art. 508, do CPC, o prazo para a interposição de apelação é de quinze dias, sendo o dies a quo o primeiro dia útil após a data da publicação da sentença. A propósito do prazo recursal, em se tratando de apelação cível, pertinente a abalizada doutrina de Moacyr Amaral Santos (Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, Saraiva, 1999, v. 3, p. 116): \"O prazo para a interposição da apelação é de quinze dias, contados da publicação da sentença, ou da sua intimação às partes, correndo em cartório (Cód. Proc. Civil, art. 508. Ver n2 767, a), mesmo quando a sentença seja proferida em processo de rito sumário, à vista da revogação do parágrafo único do art. 508 do Código pela Lei n.º 6.314, de 16 de dezembro de 1975. O prazo será comum •••
(TJMG)