EXCERTOS EXEGÉTICOS À NOVA LEI DE EMOLUMENTOS - PARTE IV
Regnoberto Marques de Melo Jr. (*) “Sob a ótica da moralidade pública, do bem comum e da finalidade social, é indiscutível que a maior contribuição da Lei nº 10.169 é haver, pelo conduto do inciso III do seu artigo terceiro, explicitamente derrogado a validade e proibido a instituição de obrigações acessórias sobre os emolumentos notariais e registrais”. Reflitamos, por agora, a respeito da interpretação do artigo terceiro da Lei nº 10.169, de 29 de dezembro de 2000, adotando método de análise estribado nos aspectos sistemático e finalístico. Como veremos logo mais com alguma detença, é importante de já realçar a obviedade de que o preceptivo em estudo se interpreta em sistema com as demais normas do regime jurídico que lhe são aplicáveis. O referido artigo terceiro da Lei nº 10.169 está assim escrito: “Art. 3º É vedado: [...] I - (VETADO); [...] II - fixar emolumentos em percentual incidente sobre o valor do negócio jurídico objeto dos serviços notariais e de registro; [...] III - cobrar das partes interessadas quaisquer outras quantias não expressamente previstas nas tabelas de emolumentos; [...] IV - cobrar emolumentos em decorrência da prática de ato de retificação ou que teve de ser refeito ou renovado em razão de erro imputável aos respectivos serviços notariais e de registro; [...] V - (VETADO).”. Próprio à sua natureza de “norma geral” (CF, art. 236, § 2º), o artigo terceiro traduz em seu bojo regulativas de limitações (proibições) legiferantes quanto a fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro, tendo como destinatário o legislador estadual (Lei nº 10.169/2001, art. 1º). Todavia, o alcance de sua normação não se restringe à futura legislação estadual vez que o artigo terceiro da Lei nº 10.169 é norma de eficácia construtiva e plena. Diz-se de “eficácia construtiva” porque retroopera, retroage. À força de sua validade e essência, os efeitos da norma geral atingem normas anteriores a si, colmatando o comando constitucional que lhe dá supedâneo (no caso o art. 236, § 2º), revalidando, por conseguinte, aquelas de hierarquia inferior que lhe são compatíveis. A propósito, esta qualidade retrocessiva da norma geral promove a ocorrência de fenômeno jurídico próprio ao direito constitucional, conhecido por “recepção”. E diz-se “eficácia plena” porque incide imediatamente. O alcance do artigo terceiro é, por isso, dúplice. A uma, serve de regra de conduta legislativa (ao legislador estadual). A duas, ministra regra de orientação prática no ato de cobrança dos emolumentos devidos aos serviços notariais e registrais. Façamos agora breve pausa para revisão de alguns conceitos jurídicos indispensáveis. Sabemos que norma jurídica é aquela regra, imposta por autoridade estatal competente à luz da Constituição, que prescreve imperativamente conduta social, autorizando a aplicação da sanção nela prevista. A lei, — principal veículo de norma jurídica —, caracterizada pela sua generalidade e abstratação, contêm ora prescrições obrigatórias, ora permissivas. A doutrina clássica ensina que quando uma lei prescreve conduta social obrigatória denomina-se “lei de ordem pública”. Quando, por seu turno, ela prescreve permissão, estabelecendo condutas que vigorarão na falta da declaração de vontade do destinatário, denominar-se-ão “leis permissivas” ou “leis supletivas”. A revelha tipologia de lei de ordem pública “proibitiva” e “imperativa”, é hoje vazia de cientificidade. O que, deveras, avulta essencialmente na lei, — independente de sua natureza (material, formal, teórica etc., figuras, aliás, hodiernamente combatidas por Caio Mário da Silva Pereira, que as têm por acientíficas), independente de sua tessitura deontológica (permissiva, obrigatória ou proibitiva), e independente de seu enquadra-mento prescritivo (lei de ordem pública ou lei permissiva) —, o que importa à lei, como dizíamos, é a sua imperatividade estatal. Lei sem imperatividade não é lei, porque anêmica de eficácia. Imperatividade é o poder de prescrever dever que regulamenta conduta social. Eficácia jurídica é a possibilidade da norma produzir efeitos concretos e adequados aos vigentes valores sociais onde inserida, independente do seu cumprimento espontâneo. A lei precisa de imperatividade e do mínimo de eficácia, sem a qual não será válida. Pausa encerrada e conceitos revistos, voltemos ao tema estudando um interessante exemplo de imperatividade e eficácia do artigo terceiro ora em estudo, assomado de decisão judicial, da relatoria do Ministro Maurício Corrêa, na Adin (Ação Direta de Inconstitucionalidade) nº 2.218-1, de 6 de fevereiro p.p., dada por prejudicada em razão de perda de objeto. (DJU-1, nº 34-E, de 16 de fevereiro de 2001, p. 140.) A ANOREG/BR, requerente, ajuizou a citada Adin com pedido de medida cautelar para a suspensão da eficácia do inciso I do artigo 39 da Lei nº 9.841, de 5 de outubro de 1999, que limita valores de emolumentos devidos aos serviços de tabeliães de protesto quando o devedor fosse microempresário ou empresa de pequeno porte. Defendia na postulação o malferimento aos artigos 1º; 5º, LIV; 24, I, § 1º; 151, III; e 236, 2º, da Constituição. Após informações prestadas pelos requeridos (Presidente da República e Congresso Nacional), a requerente recompareceu aos autos para pedir a extinção do processo, tendo por prejudicada a ação, presente que, segundo argüia, a Lei nº 10.169 teria retirado vigência à Lei nº 9.841, exato objeto da instância. O artigo 39 e o seu inciso I, da Lei nº 9.841, têm as seguintes orações: “Art. 39. O protesto de título, quando o devedor for microempre-sário ou empresa de pequeno porte, é sujeito às seguintes normas: [...] I - os emolumentos devidos ao tabelião de protesto não excederão um por cento do valor do título, observado o limite máximo de R$ 20,00 (vinte reais), incluídos neste limite as despesas de apresentação, protesto, intimação, certidão e quaisquer outras relativas à execução dos serviços; [...]”. Sua Excelência o Ministro Relator, deferindo de plano o pedido, secundou as razões da requerente, manifestando-se, com esteio no art. 3º, II, da Lei nº 10.169 (texto acima), nos seguintes termos: “[...] A toda evidência, a nova lei afastou do mundo jurídico a disposição em contrário contida no mencionado artigo 39, I, ora em exame, pois estava disposto que os emolumentos no caso ali previsto seriam calculados percentual-mente sobre o título. [...]” (Op. et loc. cit.). Preciso ressalvar desde agora que a menção à essa decisão, fá-lo tão somente à guisa de informação. Não cuido de comentá-la, e muito menos de criticá-la. O meu escopo é apenas registrar duas observações que avultam desse exemplo, relacionadas à intertemporalidade legislativa (aplicação das leis no tempo), bem como à eficácia do artigo terceiro ora em exame. Em primeiro lugar, é de se ter sempre em mente que norma posterior •••
Regnoberto Marques de Melo Jr. (*)